José Carlos Buosi, na década de 70, foi professor de Português no Ginásio Estadual de Vila Munhoz, na Vila Maria, São Paulo. A foto acima, quarenta anos depois. A crônica: "Ao mestre, com carinho" escrevi em homenagem a ele, que tanto marcou a minha vida escolar.
Viajo no túnel do tempo. Estou na década
de 70, precisamente no ano de 1972, na capital paulista. Tenho treze anos de
idade e curso a antiga terceira série ginasial. Três professores marcaram a
minha adolescência estudantil: dois de Português e um de Matemática.
“Seu” Valter talvez ainda não
completara 30 anos, porém, sua cara fechada, seu sorriso irônico e, principalmente,
sua estupidez faziam-me acreditar que beirava os 40. Adentrava na sala de aula
silencioso e, ao ouvir o burburinho dos alunos, no intervalo de uma disciplina
para outra, postava-se ao lado da mesa, erguia o apagador de madeira compacta,
com o braço em total elevação, e soltava-o em cima da mesa pesada de madeira. O
barulho soava como um tiro e os alunos assustados viam seu olhar aterrador,
banhado por um sorriso irônico e tétrico. Essa era a sua forma de cumprimentar
seus alunos e exigir silêncio.
Sua disciplina era a Matemática, que
passou a ser a mais odiada de todas as matérias, por boa parte de seus alunos.
Se a matéria não era assimilada, pouquíssimos se arriscavam a dizer que não
entenderam, pois o professor, na sua didática ignorante, faltava chamar o aluno
de burro por isso. E gostava de expor-nos ao ridículo. Chamava ao quadro, para
resolver às questões, justamente
aqueles que ele sabia que não conseguiriam. E aumentava-lhes a vergonha,
exigindo que resolvessem, mesmo quando o aluno dizia que não sabia. E ele
insistia, e ordenava-lhes que tentassem, para sorver o gostinho de ver tanto
absurdo criado pelo aluno na tentativa desesperada de cumprir as ordens.
Foi a marca mais atroz que eu trouxe
dessa disciplina, muito embora eu não tivesse tanta dificuldade. Mas o que não
consegui aprender só foi resolvido anos depois, em outra escola e com uma
professora amante da matemática e interessada no aprendizado de seus alunos.
Da disciplina de Português, guardo
valiosíssimas lembranças. Desde a minha alfabetização, aos sete anos de idade,
encantei-me com as palavras, primeiramente, com a poesia que, dada a minha
facilidade para decorar, declamava-a sempre nas festas cívicas da escola. Vêm,
da professora do antigo primário, os primeiros incentivos ao me elogiar pelas
diversas leituras em voz alta a que ela me submetia nas aulas. Só no ginásio,
aos 12 anos de idade, vim descobrir a mágica das metáforas. E cabe – aos meus
dois excelentes professores de Português: José Carlos e senhor Aristeu, amantes
da língua portuguesa e, por isso, entusiasmados e inovadores em suas aulas,
conseguindo que assimilássemos a matéria de forma lúdica e por meio de outras
artes: da música, por exemplo – o meu amor pelas palavras.
O ano era 1972 e eu estava na terceira
série ginasial (oitavo ano, hoje). O professor José Carlos, sempre alegre e
sorridente (gostava de empregar o verbo amar em seus exemplos), adentrou na
sala com um antigo gravador a pilha. Colocou a fita cassete e a música, “Minha
História”, de Chico Buarque, começou a tocar:
“Ele vinha sem muita conversa, sem
muito explicar. E só sei que falava e cheirava, e gostava de mar. Sei que tinha
tatuagem no braço e dourado no dente. E minha mãe se entregou a esse homem,
perdidamente. .. Esperando parada, pregada na pedra do porto, com seu único e
velho vestido cada dia mais curto...”
Nenhum barulho se fazia na sala.
Estávamos extasiados.
Não dava as respostas. Atiçava a nossa
curiosidade, fazendo-nos enveredar pela mágica da poesia:
· Descobrimos
que o homem era um cigano: “... tinha tatuagem no braço e dourado no dente.”;
·
A
existência da aliteração: “... esperando parada, pregada na pedra do porto”;
· A
mulher estava grávida: “com seu único e velho vestido cada dia mais curto...”
Passados exatos quarenta anos, e parafraseando
a poetisa mineira, Adélia Prado: “o que o coração guarda a memória não esquece”,
afirmo: é inesquecível.
Hoje, quando deito palavras no papel,
quer seja em verso ou em prosa, é impossível não recordar daqueles que foram a
mola propulsora pela opção do meu caminho às letras, além de serem os primeiros
responsáveis pelo conhecimento linguístico que adquiri e levarei para o resto
da minha vida.
Cada conquista de um prêmio literário é
dedicada aos mestres da minha vida escolar.
A
eles, o meu carinho e a minha eterna gratidão!
Fatinha, Gostei demais. Eu senti muita verdade. Que coragem heim! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, querida prima, pela sua leitura e apreço.
ExcluirFátima, também eu tive ótimos professores de português e terríveis e ótimos professores de matemática, que influenciaram, em muito, meu gosto e amor pelos livros, e minha dificuldade e aversão pelos números... realmente, eles nos abriram portas. Pessoas como a professora Núbia Salomon, Delson Gonçalves, Remo Brunelli são inesquecíveis para mim. Um grande abraço e obrigada por me proporcionar esta oportunidade.
ResponderExcluirQuerida Rachel! Em tempos de desvalorização do professor, pelo desrespeito com que, muitas vezes, a classe é tratada, urge que venham à tona esses mestres que tanto contribuíram para a nossa formação não só profissional como, também, humana. Obrigada pela sua disponibilidade e carinho ao comentar.
ExcluirÉ muito linda essa crônica, Fátima! Nós que gostamos de ler e escrever, decerto fomos influenciados positivamente por professores assim. Os Verdadeiros Mestres. Um lindo texto de gratidão, saudosismo... Belo reconhecimento, viu?
ResponderExcluirAdorei (adoramos!)
Cris :)
Obrigada, querida amiga que, além de escritora, também exerceu o ofício de ensinar.
ResponderExcluirEste texto foi classificada no 2º lugar, Menção Honrosa, do II CONCURSO NACIONAL – ALACE VALORIZA A CULTURA, promovido em novembro de 2012, pela Academia de Letras e Artes do Ceará (ALACE).
ResponderExcluirVer link: 2º lugar Menção Honrosa no IIº Concurso Nacional da ALACE - na categoria Prosa: Fátima Soares Rodrigues, com a Crônica: "AO MESTRE, COM CARINHO"
O diploma correspondente, bem como o mini currículo da autora classificada, podem ser vistos através do link: Currículo de Fátima Soares Rodrigues - 2º lugar Menção Honrosa, no IIº Concurso Nacional da ALACE, Categoria Prosa (Crônica)
Um abraço fraternal. Socorro Cavalcanti - Vice-presidente da ALACE
Obrigada, Socorro. Pela releitura, a postagem e o carinho. E recomendo aos amigos escritores a participação no concurso da Academia de Letras e Artes do Ceará (ALACE), que preza pela lisura e o sério compromisso de levar a literatura aos rincões deste País.
ExcluirReceba o meu afetuoso abraço, extensivo a todos da ALACE.