Manhã ensolarada
de domingo. É o meu aniversário. Comemoro mais um ano de vida e ao mesmo tempo
estou reclusa neste chalé, onde busco entender o falecimento precoce do meu
casamento de apenas três anos de existência.
Neste chalé à beira da estrada,
sintetizo a minha vida. Não estou na cidade e nem no campo; não cheguei aos
cinquenta e nem estou no início dos quarenta anos; não sou mais casada, pois, me
encontro sozinha, porém, não estou solteira porque continuo presa a papéis e
presenças...
Então, esse ser caótico me alucina.
Estarei mesmo sozinha ou fantasmas me rodeiam iludindo-me de presenças?
Mas, hoje é domingo. Ensolarado
domingo do meu aniversário.
Amanheceu e abro a porta para dar
bom-dia à vida, quando, no chão, à frente dos meus pés, eis que vejo um
passarinho. Olhos fechados, sem voar. Constato: está morto. Abaixo-me e ergo o
seu frágil corpo. Cabecinha baixa, encostando o bico no corpo, olhinhos
fechados... Contemplo o pássaro. O que o fez cair sob a minha porta? Tantos
chalés ao meu redor... Por que cair justamente “aos meus pés”?
Busco em seu corpo marcas que lhe
causaram a morte e não acho nada, aparentemente nada. Então... como, por quê?
Retrato-me no pássaro. Na dúvida
sobre o fim do meu casamento, agora confirmo o seu final. As marcas aparentes
não existem, as feridas estão dentro, na alma. Acabou, está morto. Mas a
expressão serena do passarinho me conforta. A cabeça voltada para o peito e o
bico fechado lhe dá a tranquilidade da eterna partida, do voo sem volta, e me
induz a voltar-me para dentro de mim, em silêncio, em atitude de reconstrução
da minha vida.
Abro a porta para a vida: é o meu
aniversário. Devo alçar voo, buscar o infinito, tal qual uma gaivota: superar
limites. O pássaro me diz isto: morreu novo o relacionamento, mas, é preciso,
quando a vida se renova, libertar-me e buscar as alturas. Dar asas ao infinito
e libertar-me de tudo que até hoje me escravizou. Diminuir a distância entre
mim e mim. Fundir-me na minha essência e tornar-me única para mim. Sem máscaras, sem máculas.
Sou pássaro liberto do cativeiro de
se doar, para livre o espaço explorar.