Numa triste manhã de verão,
sob uma chuva forte que banhava a cidade, seguia o cortejo morosamente rumo ao
cemitério. Dentro da urna, um jovem de quinze anos, vítima de um acidente de
carro em vésperas de carnaval, sepultava todos os sonhos de adolescente que
ainda despertavam.
Fora
tudo muito rápido, e explicações não caberiam e nem existiriam para desvendar
os mistérios de Deus.
O carro trafegava responsavelmente
pela estrada que leva ao interior mineiro. Dentro dele, a irmã ao volante e o
namorado ao seu lado. Atrás, o jovem e a namorada à sua direita.
Poucos
minutos antes do acidente, ele se deita no colo da namorada, e, sem ensaiar e
se inteirar da despedida que pouco tempo depois o atingiria, faz a declaração
apaixonada: “vou te amar pra sempre, sabia?”. E então, surge a
carreta. Como se viesse do nada. E a pancada. A forte pancada na cabeça. O
escuro total. E, definitivamente, as páginas do livro da sua vida são fechadas.
Foi o maior saldo negativo do acidente, pois, os outros passageiros tiveram
pequenos ferimentos.
O
pânico, a dor, o desespero se instalam na estrada. Polícia, ambulância,
parentes. Uma parafernália de aparelhos, investigações, perguntas,
providências... O velório. O rosto sereno de quem cumpriu sua missão, rodeado
pelas lágrimas, pela desesperada busca de compreensão, pela eterna saudade...
Chega
o momento final da separação física, porque as outras já foram confirmadas no
momento do silêncio maior.
Uma
forte chuva acompanha o cortejo até a cova aberta à espera do escolhido. De
repente, o inusitado. A chuva para e, dentro da cova, um passarinho passeia
livremente, como se estivesse recepcionando com alegria o seu mais novo
hóspede. Os coveiros tentam retirá-lo, abanando as mãos. Porém, o pássaro alheio
a tudo, pula com suavidade na terra, enquanto parece beijá-la com o bico. E,
num breve espaço do instante, encanta o ar com seu delicado voo e, para
surpresa de todos, pousa suavemente no ombro da mãe do jovem falecido.
Ainda
inconsolada e em prantos, a jovem senhora contempla o pássaro que docemente se
deixa pegar pelas mãos do sofrimento. A
mulher beija a cabecinha da ave, como se tivesse entendido o consolo do Mestre,
abre as mãos, numa atitude de agradecimento, e devolve aos céus o presente que
lhe foi ofertado por quinze anos.
Em
meio as várias coroas de flores que cobrem a terra, um passarinho repousa sobre
um botão e convence os presentes de que o empréstimo foi saldado. Não há mais
dúvida, nem dívida. A recompensa? O outro lado há de fornecer.