Século vinte e um.
Tecnologia avançadíssima, bastando apenas um toque de dedos para clicar algum
botão e, de repente, abre-se, à nossa frente, um mundo mágico...
Contrastando
a isso, o básico do básico parece ficar esquecido, relegado a um canto de tanto
ser básico, e, assim desaprendemos ou nem aprendemos a lidar com o banal,
perdendo-se então o controle de todo controle...
Caminho
pela ladeira com o molho de chaves do apartamento que acabei de receber da
imobiliária, a fim de alugá-lo, caso seja do nosso agrado: meu e do meu
companheiro.
Muito
embora muitas avenidas já possuam controle de semáforo, para que o pedestre
atravesse em “segurança”, além de faixas exclusivas para ônibus, alguns bairros
parecem pertencer a outro país, tamanha é sua deficiência básica: falta
iluminação nas ruas, redes de esgoto e água, asfalto... faltas essas que
favorecem à “sobra” da violência que se espalha na escuridão dos becos, nos
assaltos, estupros, assassinatos...
São
10 horas da manhã de uma radiante quarta-feira de primavera e nós vamos
seguindo ruas, virando esquinas até encontrarmos a entrada do prédio.
Com
o molho de chaves na mão, não foi muito difícil achar a pequena chave que abre
a portaria. Subimos as escadas e lá está o número do apartamento: 202. Já, a
chave da porta confunde-se com outras que se encontram no chaveiro. Porém,
estamos com tempo, e, assim, vamos testando pacientemente a chave que abrirá a
porta.
De
repente, a porta dos fundos do mesmo apartamento abre-se abruptamente e um homem
com um calibre 38 na mão, avança em nossa direção, enquanto berra:
_
Parados aí! Como se atrevem a abrir o meu apartamento?
Ainda
não sei descrever, ao certo, a sensação de pânico que nos invadiu. Mas já era
capaz de sentir a bala do revólver estilhaçando nosso corpo e o sangue rolando
escada abaixo.
A
voz para a explicação teve de ser arrancada à força de dentro da garganta, já
que o susto a sufocara:
_
Peraí, moço, somos gente boa! Recebemos a chave da imobiliária e viemos
conhecer o apartamento para alugá-lo...
_
Como é que é? Alugar o apartamento que aluguei há um mês?
_
O senhor já mora aí?
_
Claro! O que eu estaria fazendo lá dentro se não morasse aqui?
_
Bem, nesse caso, entregaram-nos a chave do apartamento errado. O senhor sabe se
tem outro apartamento aqui para alugar?
_
Não tem. Tenho certeza.
Bruscamente
ele tomou o molho de chaves da nossa mão e buscou conferir se alguma chave
abria a sua porta. Achou e a abriu.
Não
acreditou. Nem nós acreditamos.
Ele,
por saber da insegurança em que se encontrava, achando-se seguro dentro de
casa, ao menos.
Nós,
por saber que poderíamos ter sido mortos ao nos confundir com um assaltante,
quando apenas buscávamos por mais segurança.
Estupefatos
ao devolver o molho de chaves e dedicar à imobiliária alguns desaforos, fomos
surpreendidos pela funcionária que nos afirmou que enganos como esse acontecem
vez por outra.
Esse tipo de erro é urbano, e desumano!
“Bala
perdida mata criança no Rio.”
“Brasileiro
é morto por engano, ao ser confundido com terrorista.”
“Pedreiro
fica preso por engano durante dois anos.”
“Dentista
negro confundido com traficante é assassinado pela polícia.”