Eles chegaram num
caminhão, desceram com a grande escada, a serra e todos os apetrechos
necessários. Eram três homens. Tocaram meu interfone e pediram que eu retirasse
o carro que estava estacionado em frente. Era para evitar acidente.
Ao
me dirigir ao carro, dei com os três armados em frente à árvore.
Era
uma árvore gigantesca, talvez, centenária. Informaram-me de que se tratava de
uma Saboneteira, árvore cujas sementes são usadas para fazer sabão e contas de
colares.
Questionei-lhes
o porquê da derrubada. Disseram-me que o morador constatara, junto com um
engenheiro, que o pé da árvore estava infestado de cupins, o que poderia causar
um grave acidente.
De
repente, ao contemplar a árvore, vejo uma casa de joão-de-barro construída
entre dois troncos. Já estava pronta.
Imediatamente,
peço a eles que não comecem a trabalhar a serra antes de retirar a casinha.
_
Deem-me a casinha inteira. Soa não como uma ordem,
mas uma súplica.
Os
três param e me encaram. Talvez, não acreditem que às 7h30 de uma manhã de
outono, travestida ainda de verão do mês de abril, ensolarada, aos 24º, uma
mulher, levando filhos para a escola, atrase a saída para se preocupar com uma
casa de joão-de-barro. Mas, imediatamente, providencio para que meu filho mais
velho leve a irmã à escola, enquanto tento transferir a moradia do pássaro.
_
Por favor, não deixem a casinha quebrar. Retire-a delicadamente, que vou
colocá-la em uma árvore dentro do meu jardim.
Os
funcionários da prefeitura entendem perfeitamente o meu pedido, embora me
informem que, uma vez tocada, os pássaros não mais a habitarão. Sentem cheiro
de invasores, temem se tornarem prisioneiros...
Mesmo
assim, peço a casinha, na esperança de que, passado o tempo, banhada a casa
pela chuva retirando o toque humano, o pássaro volte a habitá-la.
Colocam
a extensa escada apoiada à árvore, e um deles vai escalando-a, E eis que vejo o
proprietário da casinha parado em seu topo, demarcando o seu espaço.
Peço
ao funcionário que não o assuste. Suba devagar.
Paciente,
o rapaz me ouve, e sobe lentamente, até que a sua sombra, embaçando o sol,
espanta o pássaro que pousa num fio do poste próximo à árvore e observa o homem
da prefeitura retirando o seu lar, construído com a paciência de quem, mesmo
não sabendo o que é esperança, não desiste. Sob o sol, a chuva e o vento,
diariamente, vai longe buscando os gravetos, o barro, incansavelmente até dá-lo
por terminado. É o ninho, o aconchego e proteção dos filhotes e da fêmea.
Ao
retirar com cuidado a casa por inteiro, peço que desça devagar, a fim de que o
pássaro veja onde a depositaremos, na esperança de que ele não perca a
esperança de tê-la inteira novamente, ainda que ele não saiba o que seja
esperança...
E,
então, eu a recebo das mãos do funcionário, que agradeço comovida. Pesada,
perfeita, benfeita. Verdadeira obra de artista!
Com
passos lentos, olhando constantemente para o pássaro que permanece no fio,
tento-lhe mostrar que sou amiga, não vou destruir sua casa, tampouco
transformá-la em armadilha para prendê-lo, e, então, escolho a árvore mais
próxima da rua, mesmo dentro do meu jardim. A árvore, embora demarcada pela
grade da casa, abre-se ao céu, sem telhado circundando-a, é a mais alta e com
tronco mais grosso, capaz de suportar ventos e tempestades, sustentando a casa,
e, deposito com cuidado a casinha entre um nó de tronco, mais no alto,
protegida dos gatos, dos homens, e, como criança, olho para o pássaro ao mesmo
tempo que, com o dedo, aponto-lhe a casa.
Os
dias passam e não vejo mais o pássaro.
Certa
noite, a chuva cai, e, na manhã seguinte, ao abrir a porta que dá para o jardim,
para a minha alegria, eis que vejo um joão-de-barro no topo da sua casinha,
demarcando espaço, bicando-a, talvez, como um beijo de alegria, e percebo o
começo do que parecia ser um fim...