Fui
atender ao interfone quando me deparei com o jovem me oferecendo os panos de
pratos para comprar.
A
bem da verdade, naquela semana, era a segunda pessoa que me oferecia panos de
prato com o intuito de ajudar no orçamento.
_
A senhora não quer comprar? Perguntou o rapaz.
_
Quanto é? Perguntei.
_
Dois reais cada.
_
Você troca R$50,00?
_
Não dona, porque ainda não conseguir vender nenhum... sabe como é... feriado de
Páscoa, tá todo o mundo viajando...
_
Então está difícil, porque eu até estou precisando trocar o dinheiro para pagar
a moça que trabalha aqui. Mas acho que tenho R$5,00. Você pode fazer três panos
por R$5,00? Perguntei-lhe.
_ Se a senhora tiver, faço.
Eu já estava entrando, quando ele me
solicitou:
_
A senhora pode me arrumar um copo d’água?
Voltei-me
de repente e analisei o rapaz: devia ter uns 18 anos no máximo. Alto, simpático
e aparentemente humilde. Imaginei que não comera nada até àquela hora, já se
aproximavam das 18 horas. Questionei-lhe:
_
Você comeu alguma coisa?
_
Não, dona. Eu saí cedo e como não vendi nada, não tive dinheiro para comer.
_
Então, entre. Vou lhe arrumar um café.
Pedi
que se assentasse no sofá da sala enquanto lhe preparava um lanche.
Achei
que seria difícil para ele comer no sofá. Permiti que se assentasse à mesa.
Enquanto
saboreava, faminto, o lanche, me perguntou:
_
A senhora não sabe de alguém que esteja precisando de rapaz para trabalhar?
Faço qualquer coisa: serviço de jardinagem, faxina...
_
No momento, não sei, mas vou perguntar às minhas vizinhas. De vez em quando
alguma precisa.
_
Quantos anos você tem? Perguntei-lhe.
_
Dezenove.
_
Você tem irmãos?
_
Nós somos oito.
_
Você mora com a sua família?
_
Moro com a minha mulher e minha filhinha de seis meses. Não tenho pai nem mãe,
e, dos meus irmãos, não sei o paradeiro.
_
Por quê?
_
Eu morava com meus pais até os meus 10 anos. Meu pai batia muito na gente e na
minha mãe, por isso ela separou dele, ficando só com os filhos. Depois ela
adoeceu: câncer na mama e como já estava avançado, distribuiu os filhos antes
de morrer. Eu fui morar numa fazenda e, lá, fazia todo o tipo de serviço. Mas
eu ainda era criança. Não sabia fazer direito, estava aprendendo... e por isso
apanhava muito quando fazia errado. Decidi sair e vir morar aqui nesta cidade.
Conheci esta senhora que faz os panos de prato. Ela tem uma filha, esta que
moro com ela...
_
A sua mulher trabalha?
_
Tava trabalhando numa casa, sabe? A dona é até a proprietária do barraco que a
gente mora. Mas aí depois de quinze dias de serviço, ela falou que pagaria a
minha mulher só R$80,00 por mês. Sabe como é dona, a gente precisa, né? Minha
mulher aceitou, não tinha jeito mesmo. Só que quando venceu o mês, a dona não
pagou nada. Então eu pedi a ela que ficasse por conta do aluguel. Ela acabou
concordando. Na verdade a gente precisava do dinheiro: comprar leite e comida
para a criança, principalmente. Mas o teto também é muito importante e não
íamos ter dinheiro para pagar o aluguel mesmo! Acabou que, pelo menos dele,
ficamos livres naquele mês. Aliás, se a senhora souber de emprego para minha
mulher também, eu agradeceria.
_
Onde você mora?
_
Na Saudade.
_
Nossa! É bem longe daqui...
_
Mas eu durmo no emprego, dona. Deixo para ir lá no final de semana.
_
E a sua esposa?
_ Ela também pode dormir. _
Mas e o neném?
_
A mãe dela cuida, dona. Nós precisamos trabalhar e, se for desse jeito, não tem
problema. Tá muito difícil arrumar emprego. As pessoas desconfiam da nossa
honestidade, e com razão: o mundo está muito violento. Até provarmos que somos
honestos, precisamos ter chance e esta chance, ninguém dá. Não posso escolher,
não. Faço do jeito que for melhor pra pessoa. Preciso é trabalhar para comer e
dar de comer à minha filhinha.
_
Está bem. Vou fazer uns contatos com as vizinhas e ver se alguém está
precisando. Deixo o meu telefone com você e você me liga daqui dois dias,
certo?
_
Muito obrigado, dona. Jesus abençoe o seu lar. Obrigado pelo café. Fique com
Deus e feliz Páscoa!
_
Feliz Páscoa para você também, respondi.
Paguei-lhe
os panos de prato e o acompanhei até a porta.
Fiquei
imaginando como não se marginalizara até hoje; sem família, sem dinheiro, e
concluí que ainda lhe restava a esperança, o renascimento... Era véspera de
Páscoa!