sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Um dia de cão


                                       



             Eu sabia que aquele dia sombrio prometia. Tal qual o tempo se apresentava, o meu interior também não estava lá essas coisas. Nervoso, apático eu me encontrava. Porém, como sou um cara “para cima”, procurei driblar a chateação do dia, tentando manter a calma e o bom-humor, apesar de constatar que o telefone da minha casa só dava sinais de ocupado _ muito embora eu more sozinho -, e, para completar, uma dorzinha enjoada no dente, colaborava para atiçar o meu aborrecimento.
            Consegui enfrentar um dia de trabalho e, por volta das 20h, deixei a empresa rumo a minha casa. Antes, porém, precisava providenciar o essencial para sobreviver. Passei no supermercado, comprei o necessário e dirigi-me ansiosamente para o meu recanto, a fim de tomar um banho, para quem sabe assim, largar a “urucubaca” que teimava em me acompanhar, antes de fazer uma refeição completa, a única que faço, uma vez que passo o dia inteiro fora de casa.
            Desci do ônibus carregando sacolas e mais sacolas, além da carne que necessitava urgentemente de refrigeração, pois, seu sangue já escorria pelo embrulho.
            Ao levar a mão no bolso, dei pela falta da chave. Achei estranho e conferi o molho de chaves. Com ele, eu havia aberto os dois portões que dão acesso ao prédio. Porém, faltava a chave da porta do meu apartamento. Joguei os embrulhos no chão e numa busca frenética, ansiava em achar a chave. Nada. Conferi, novamente, o molho de chaves. A única que faltava era a própria. Respirei fundo e, num esforço energúmeno de memória, procurei passar o rascunho do meu dia a limpo, para me lembrar onde a havia deixado.
            Veio-me à memória, a cena da noite anterior. Preocupado com a possibilidade de perder a chave algum dia, havia retirado-a do chaveiro para providenciar uma cópia. É isso, devo tê-la deixado no serviço. De posse do meu celular, entrei em contato com a empresa que só fechava às 22h. A funcionária se propôs a procurá-la e me retornaria. Enquanto isso, eu não poderia ficar parado esperando. E se ela não achasse?
            Apossei-me dos embrulhos e dirigi-me à igreja que frequento. Lá, encontrei-me com o amigo Gabriel, que morara comigo no apartamento durante algum tempo. É isso, pensei. Ele deve ter a cópia da chave. Perguntei-lhe se ainda a tinha e ele despertou a minha esperança quando me respondeu que sim. Haveria de buscá-la em sua casa. Porém, assim que esse “anjo” Gabriel se dirigia para a saída da igreja, sou rapidamente chamado a um canto por outro amigo que me informa de uma festa surpresa que havia sido preparada para o Gabriel na sua casa. Conclusão: ele não poderia ir até lá àquela hora. Mais do que depressa, gritei para o Gabriel voltar, como se eu já houvesse resolvido o meu problema. Como todo anjo bem mandado, o Gabriel me obedeceu, aumentando a minha frustração.
Diante dessa impossibilidade, dirigi-me a um chaveiro mais próximo. No caminho, recebo a ligação da funcionária: a chave não estava na empresa.
            Ao chegar diante do chaveiro, o valor que me cobraria para abrir o meu apartamento soou como um tiro: R$ 40,00. Meti a mão no bolso e constatei o tamanho do rombo: eu só tinha R$ 20,00.
            Voltei ao apartamento com a carne sangrando pelas minhas pernas, enquanto a minha mente queria acompanhá-la.
            Nervoso, constatei, no escaninho da portaria, que a revista assinada por mim não estava lá e, lembrando-me de que todos os vizinhos aproveitam da minha ausência para lê-la, já bati a campainha do vizinho disposto a exigir a localização da minha revista naquele momento.
            Atendeu-me a D. Maria e, para o meu espanto, disse-me que seu filho foi entregar-me a revista e deu com a chave na porta, por volta das 17h daquele dia. Súbito, o desespero de mim se apoderou. A chave estava lá até às 17h e se não está mais, justifica-se o meu telefone ocupado durante todo o tempo. É isso, assaltaram o meu apartamento. Num átimo, D. Maria falou que o filho pegara a chave. O meu rosto iluminou-se! Até que enfim, o problema havia sido solucionado e eu entraria no meu recanto. Porém, D. Maria, na sua inteligência, não pensou duas vezes quando o filho lhe entregou a chave. Tratou, imediatamente, de jogá-la pela janela do meu apartamento.
 Eu não queria acreditar que, no mesmo instante em que a luz no fim do túnel me iluminava, um breu imenso a abafou. Estaca zero. Como eu faria para pegar a chave? Janela gradeada, tudo apagado... Seria impossível. Mas não sou de me dar por vencido, em situações que exigem a minha criatividade. Afinal, não era essa a minha profissão? Providenciei, com D. Maria, um cabo e um arame. Era tudo de que eu precisava.
            A primeira providência foi tentar acender a luz interna com o pau. Num esforço sobre-humano devido à posição em que me encontrava, depois de várias tentativas, eis que a luz iluminou o ambiente. Depois, pude verificar que a chave caíra no parapeito da janela. Ainda bem, eu haveria de pegá-la. Posicionei-me e, também, depois de quase quebrar as minhas costas, ei-la suspensa pelo arame que enfiei.
            Nisso, já se tinha passado mais de duas horas de suplício, desde que eu chegara do serviço. Com a chave na mão, sabia que o meu martírio havia terminado.
            Aliviado e ao mesmo tempo cansado e faminto, enfiei-a, imediatamente, no tambor e, para a minha surpresa, constatei que a chave não rodava. A porta estava aberta!