Estávamos na primavera, a
estação das flores. Os jardins pintavam a paisagem da cidade com suas flores
multicores e, nas calçadas, os ipês de variados matizes forravam o chão
embelezando as alamedas.
Entrei
no ônibus, que não estava cheio, e acomodei-me na cadeira da janela para
observar a paisagem, enquanto deixava minha mente passear no meu passado, quando
o perfume de flores invadiu as minhas narinas, levando-me a outra primavera de
recordação e saudades: minha infância.
Vejo-me
menino esperto e sedento de aventuras na cidadezinha mineira de minha origem.
Apesar do físico mirrado, aos 10 anos de idade não temia domar os irreverentes
cavalos adquiridos pelo meu pai, nem conduzir a boiada à outra cidade, quando
necessário. Ordenhar as vacas, no final da madrugada, após cavalgar até o sítio,
era-me de grande prazer. Sentado no banquinho colocado aos pés da vaca,
segurava firmemente suas tetas e num sincronismo de movimentos, eu via jorrar
aquele leite grosso e espumante dentro do balde, que depois seria distribuído aos
moradores da pequena cidade.
E
foi justamente um choro de criança que me trouxe de volta à realidade.
Elas estavam assentadas à
minha frente, na dianteira direita do ônibus: a mãe e a filha com o bebê no
colo.
O
ônibus trafegava no morno silêncio da tarde, já que adentrara no bairro de
classe baixa da metrópole mineira.
O silêncio dos passageiros
foi quebrado pelo choro insistente do bebê.
As duas mulheres conversavam em cicio, enquanto o bebê se agitava no
colo da mãe. Consegui captar o olhar de ordem da mãe dirigido à filha, embora
não entendesse as palavras imperativas.
A
filha, por sua vez, avermelhou o rosto. Enrubesceu-se enquanto chacoalhava a
criança no colo, ansiando cessar seu choro.
A
avó voltou seus braços para o bebê, acomodando-o melhor para receber o alimento
no colo da mãe.
A
jovem mãe, ainda envergonhada, olhou de soslaio para os passageiros, deu ainda
com os meus olhos que procurei desviá-los imediatamente, e, embora receosa,
voltou seus olhos para o bebê em pranto, abriu a blusa e retirou o seio para
lhe oferecer.
Mas
o bebê já se irritara o suficiente e não conseguia abocanhar o peito, tamanha a
ansiedade da mãe.
A
mulher, inquieta, tenta acalmar o bebê enquanto introduz o bico do seio na
pequenina boca do infante. O bebê agita a cabecinha e grita sem conseguir mamar
o leite que saciará sua fome.
Entre
sussurros de “psius” da avó já incomodada com os olhares dos passageiros e o
nervosismo da filha, a jovem mãe resolve conversar com o bebê a fim de
convencê-lo a sugar-lhe o leite:
“Mama,
neném. Mama, senão o gatinho vai mamar.”
E
o bebê continuava chorando.
A
mãe começa a se apavorar e repete seguidamente: “mama, neném, anda, mama, senão
o gatinho vai mamar.”
Foi
quando, de repente, ouviu-se do fundo do ônibus um lento miado masculino: “miauuuu,
miauuuu”.
A
mulher, assustada, guarda o seio sob a blusa e dirige o olhar suplicante para o
homem que estava assentado na cadeira à esquerda de sua mãe.
O
sujeito abre a sacola do bebê que está no seu colo, e ergue seu corpo de 1,90m
no corredor do ônibus, enquanto aponta um “38” para todos os passageiros e pergunta,
cuspindo sua ira:
_
Quem é o gatinho que está querendo mamar, hein?
Um
silêncio de morte impera dentro do ônibus, pois, com o grito do homem até o bebê
emudeceu, e percebo que todos os olhares masculinos se voltam para a janela,
buscando a rua como fuga.
Sucessivos
pedidos de calma são dirigidos ao homem, pela avó do bebê, enquanto a campainha
do ônibus é acionada e dois homens (prováveis miadores) ganham a rua.
Aos
poucos, o silêncio e a calma voltam a reinar dentro do ônibus, já quase vazio,
e eu volto o meu olhar à rua e continuo a minha viagem ao passado, enquanto
observo as paisagens, os transeuntes...
E,
então, em frente à padaria, o ônibus chega ao meu destino. Desço, entro na
padaria e compro o leite e o pão para alimentar meus filhos, que não mais estão
na primavera como o bebê. Saíram da doce infância e, inquietos, sorvem com
ansiedade o verão da juventude, enquanto eu e minha esposa serenamos no nosso
outono, para que tenhamos um inverno pacífico e aconchegante.