O primeiro
chegou roubando a minha paixão adolescente. Arrebatou, num átimo, os sonhos
platônicos que eu acalentava por uns olhos verdes e uma voz aveludada que, um
ano depois, deixou este mundo abruptamente, aos dezoito anos.
Aos solavancos, construímos uma
relação que já começou comprometida por uma promessa de noivado dele com outra
que já existia.
Após um rompimento tumultuado, demos
sequência à nossa relação. Foi aí que comecei a me tornar ponte.
Estagnado na profissão e no salário,
também, por ter se estagnado nos estudos há alguns anos, fui protagonista do
primeiro alicerce dessa ponte, ao criar nele o gosto pelos estudos. Em sete
anos da nossa convivência: cinco de namoro e dois de casados, ele terminou o
ensino médio e se ingressou na faculdade. Após esse direcionamento de vida,
finalizou-se a nossa relação.
O segundo me chegou mais jovem,
irradiando, portanto, alegria de viver e maior disposição para as descobertas,
principalmente, as sexuais, que nos lançavam ao mundo das fantasias, libertando
os nossos fantasmas, dando asas à nossa imaginação. Vivendo juntos, estudando
juntos, fomos. Lançamo-nos ao universo com tamanha intensidade que ele resolveu
buscar outros horizontes, fora do País. Eu, mais uma vez, ponte.
O terceiro me chegou das
reminiscências da minha pré-adolescência. Primo distante fazia parte dos meus
sonhos nas minhas férias escolares no interior mineiro. Seus ombros fortes eram
resultado do trabalho árduo desde a madrugada, na única padaria da pequena
cidade. Mais velho do que eu, a minha admiração sempre fora física e platônica,
uma vez que sua beleza já pertencia à outra donzela mais compatível com a sua
idade, brotando dessa relação dois frutos.
Mais de vinte anos se passaram até
nos reencontrarmos.
Diferentemente da juventude, seus
ombros agora, não tão fortes e belos, carregavam o fardo de um crime.
Preso, cumpria pena pela morte
enigmática da esposa.
Primeiramente, por uma pena que vem
do coração, me aproximei, afinal, eu, novamente, ponte.
Visitava-o semanalmente na cadeia,
expondo-me a todo o tipo de crítica: desde a familiar até as da sociedade. Mas
urgia que eu o salvasse, levando-lhe a minha presença, o meu alento e, por fim,
o meu amor. Foi mais de dois anos em que o distanciamento meu da minha família
culminou na maior aproximação dele. Porém, a sua prisão não foi em vão. Descobri
depois, porque, por meio da nossa relação, me fiz sua prisioneira maior: física
e psicologicamente, pois, com o passar do tempo, percebi que não conseguiria
soltar as algemas que a ele me prendiam, uma vez que o nosso amor-, a
princípio, obsessão, transformara-se em amor-ameaça. Eu me
tornara a sua fonte, porque era nela que ele saciava todas as suas sedes: de
prazer, de ser, de viver...
Eu, fonte e ponte.
Com muita fé, apoio e coragem,
depois de muito tormento e muitas tormentas, abortei este amor a fórceps e
consegui me libertar, porque ele, liberto da prisão, montou cativeiro na roça
para aprisionar ovelhas desgarradas...
O quarto me chegou já na maturidade.
Como ponte, eu resistira a
tempestades, avalanches, enfatizando, agora, o meu concreto. Mas sua
experiência de ex-marido e pai, sua gentileza tão escassa no meio masculino ultimamente,
sua voz doce (que no futuro diagnostiquei como grande lábia), seus poemas
improvisados em plena manhã de segunda-feira, sem dia marcado, suas flores ao
chegar do trabalho fizeram-me adentrar, novamente, no meu mundo de fantasias,
onde, o príncipe que para mim há muito já se revelara sapo, reapareceu montado
num cavalo branco, de porte altivo e coroa de brilhantes, espalhando pétalas de
rosas no meu caminho, suavizando os meus passos... Assim, ele conseguiu
sutilmente abalar a minha base. Porém, o seu alforje ainda eram sonhos que ele
me prometia de todo o coração.
Então, eu, novamente, ponte, me fiz
sua passarela, e ele conseguiu chegar ao topo. Gordo salário, posição
conquistada, e eu relegada. O amor dele morreu assim como nasceu:
repentinamente.
Hoje, penso que pago alto preço por
ter sido ponte. Não, engana-se ou engano-me quando nisso creio. Sou fonte e
ponte, por isso, em mim, abriga-se um manancial, ainda que, no momento, a minha
sede não consiga buscar a água do meu poço...
Estou no fosso, habito a noite, mas
eu posso e vejo a luz, e nela um cavalo branco e manso sustenta um Riobaldo...
Nas trilhas, agora, serei Diadorim:
amarei até o fim, mas em segredo, porque, na verdade, “viver é muito perigoso”.