sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

(Todos) Verão em 2014



Manhã ensolarada de domingo. É o meu aniversário. Comemoro mais um ano de vida e ao mesmo tempo estou reclusa neste chalé, onde busco entender o falecimento precoce do meu casamento de apenas três anos de existência.

Neste chalé à beira da estrada, sintetizo a minha vida. Não estou na cidade e nem no campo; não cheguei aos cinquenta e nem estou no início dos quarenta anos; não sou mais casada, pois, me encontro sozinha, porém, não estou solteira porque continuo presa a papéis e presenças...

Então, esse ser caótico me alucina. Estarei mesmo sozinha ou fantasmas me rodeiam iludindo-me de presenças?

Mas, hoje é domingo. Ensolarado domingo do meu aniversário.

Amanheceu e abro a porta para dar bom-dia à vida, quando, no chão, à frente dos meus pés, eis que vejo um passarinho. Olhos fechados, sem voar. Constato: está morto. Abaixo-me e ergo o seu frágil corpo. Cabecinha baixa, encostando o bico no corpo, olhinhos fechados... Contemplo o pássaro. O que o fez cair sob a minha porta? Tantos chalés ao meu redor... Por que cair justamente “aos meus pés”?

Busco em seu corpo marcas que lhe causaram a morte e não acho nada, aparentemente nada. Então... como, por quê?

Retrato-me no pássaro. Na dúvida sobre o fim do meu casamento, agora confirmo o seu final. As marcas aparentes não existem, as feridas estão dentro, na alma. Acabou, está morto. Mas a expressão serena do passarinho me conforta. A cabeça voltada para o peito e o bico fechado lhe dá a tranquilidade da eterna partida, do voo sem volta, e me induz a voltar-me para dentro de mim, em silêncio, em atitude de reconstrução da minha vida.

Abro a porta para a vida: é o meu aniversário. Devo alçar voo, buscar o infinito, tal qual uma gaivota: superar limites. O pássaro me diz isto: morreu novo o relacionamento, mas, é preciso, quando a vida se renova, libertar-me e buscar as alturas. Dar asas ao infinito e libertar-me de tudo que até hoje me escravizou. Diminuir a distância entre mim e mim. Fundir-me na minha essência e tornar-me única para mim. Sem máscaras, sem máculas.

Sou pássaro liberto do cativeiro de se doar, para livre o espaço explorar.
                                                          



sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Um ano sem Alcione Araújo



Hoje, dia 15 de novembro, completou um ano de falecimento do cronista, romancista e dramaturgo Alcione Araújo. Desde então, nós, leitores, ficamos sem ler suas crônicas às segundas-feiras, no jornal Estado de Minas.

É difícil apontar qual a melhor crônica do Alcione que foi publicada, desde setembro de 2001, no Caderno Cultura. Porém, a crônica SEM PARAR DE CANTAR foi uma das que mais me marcou. E eu dizia isso a ele. Tanto que, no lançamento da coletânea das crônicas publicadas no livro: “Cala a boca e me beija”, na Academia Mineira de Letras, no dia 9 de dezembro de 2010, algumas crônicas foram lidas por ele, e essa não ficou de fora.

Relendo novamente a crônica, creio que algumas passagens são dignas de ser lembradas:

“O senhor eu sei que não reclama dos meus passarinhos e até aprecia o canto deles. Já vi o senhor de manhã, na volta da caminhada, ficar um tempão olhando pra gaiola pendurada na árvore, ouvindo o meu curió. O senhor, que tem tanto livro, sabe como é bonito, gosta do que toca o coração. Mas tem morador que reclama que o canto dos passarinhos acorda ele, que não dorme mais, e começa o dia nervoso. O senhor acha que é possível canto de passarinho dar nos nervos?
...
Já chegou no ouvido do síndico. Ele avisou que na volta quer ter uma conversa comigo. Vai dizer que reclamaram dos passarinhos. O quê que eu posso fazer? Calar os bichinhos, não posso! Vai querer que me livre deles - também não posso.
Sou do interior, o senhor sabe, que nem os porteiros de tudo que é prédio por aí. Lá a gente aprende as coisas com os bichos. Aprendi tanta coisa com passarinho! O senhor já viu passarinho fazer ninho? Ele bica um gravetinho aqui, um garrancho acolá, vai longe atrás de uma palha, de um capim, voa horas por uma flor de algodão. Quando fica pronto, arrumadinho, bate a ventania, cai o temporal, vem um bicho qualquer, ou aparece algum menino e acaba com tudo. Acha que passarinho chora, reclama da vida? Passarinho, não. Passarinho começa tudo de novo. E sem parar de cantar! Lá vem ele com o graveto, o capim, a folha seca, o ramo...
O senhor já viu ninho com ovinhos? Três, cinco, meia dúzia, desse tamanhinho! Quando filhotinho tá pra nascer, é de chorar: vem o vento, a chuva, o bicho ou o menino e acaba com tudo! Passarinho xinga e quer matar? Passarinho, não. Passarinho começa tudo de novo. E sem parar de cantar! Lá vem o garranchinho, a palha, a flor de algodão...
O senhor tá entendo aonde eu quero chegar? A vida tem sua atrapalhação, tem homem de mais e passarinho de menos, o senhor não concorda? Homem reclama, chora, desanima, desiste e tudo o mais. Passarinho, não. Passarinho não desiste. Nem para de cantar.
Se não posso calar passarinho, nem vou dar pros outros, nem vender, nem trocar, nem soltar, é capaz que o síndico me mande embora. O que eu posso fazer!
O senhor sabe, se tiver que ser, vai ser. Vou chorar e pedir pra ficar? Eu não! Vou embora, e levo meus passarinhos e minhas gaiolas, que é quase tudo que tenho. No caminho não sei pra onde, vou juntando esperança, que nem passarinho junta graveto, e faço meu ninho com as folhas verdes da esperança. E sem parar de cantar, que nem tô cantando aqui pro senhor.”

A última crônica do livro “Cala a boca e me beija” chama-se “Morte e ressurreição” e narra a recuperação de uma cadela semimorta, salva por ele e um amigo: duas crianças de seis anos de idade, que deram, a ela, o nome de Morte:

“Morte nos trouxe muita alegria. Logo se ergueu e andou. Antes de correr, latia. E, por latir, ficou arriscado mantê-la no porão. Mas não foi difícil passar a Morte adiante. Embora despelada, estava curada e esperta. Surgiu até a tentação de adotá-la, mas desistimos. Uma vizinha idosa a acolheu – tivemos o bom-senso de não revelar seu nome. Ao lembrar-me de Morte, saltitante e eufórica, e compará-la com o animalzinho que agonizava na esquina, sou inclinado a crer que aos 6 anos aprendi os vestígios do que se chama morte e ressurreição. Com os dois entendi também o que é esperança.”


Que não percamos a esperança de poder ressuscitá-lo, Alcione, por meio das palavras que você deixou registradas em seus livros!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A carta

                                          
No final do inverno, antecedendo a primavera, no mês de agosto - que para muitos ainda cheira a desgosto - há uma mistura de estações, quando o frio dá lugar ao calor em alguns dias, e algumas árvores já se enchem de flores, embelezando a paisagem, enquanto outras ainda forram o chão de folhas secas, preparando-se para florir quando a primavera realmente chegar.
            Era uma manhã de terça-feira, no último dia do mês de agosto, época em que o sol disputa com o vento, ora esquentando o dia, ora, às vezes, repentinamente, o vento surge e o esfria, quando, caminhando por uma rua silenciosa, vi aquele senhor, aparentando sessenta e cinco anos. Altura mediana, magro, dentro de um casaco cinza escuro, calça preta, uma boina escura, tapando-lhe parte da testa. Carregava uma pasta preta.
            De frente à lixeira sobreposta na calçada, ele parou. Apoiou a pasta sobre o joelho dobrado, e, cuidadosamente, retirou com carinho um envelope de carta. Sim, só podia ser uma carta. Abriu vagarosamente o envelope, retirou a folha, desdobrando-a e pude perceber uma folha de caderno manuscrita e amarelada pelo tempo, talvez. Ergueu a folha diante dos óculos e manteve-se em silêncio por alguns instantes. Pude perceber seus olhos percorrendo as linhas, e eu seria capaz de descrever todas as alterações causadas pelas feições que se estampavam em seu rosto. Depois, dobrou-a, devolvendo-a ao envelope, ao mesmo tempo em que enxugava com o dorso da mão, uma lágrima teimosa que insistia em cair no canto do olho direito.
            Fitando a lixeira, permaneceu ainda alguns segundos com o envelope suspenso no ar, no embate da decisão difícil de se desfazer daquela que o acompanhou por tanto tempo! A boca da lixeira que abrigava papéis sujos, copos descartáveis, tocos de cigarro e tantas sujeiras, deprimia-o. Toda separação deveria ser ao menos decente, já que sempre abandonamos um pouco do que fomos, seja no rompimento com alguém, seja se desfazendo de coisas que personificamos de alguma forma, por meio do carinho que nutrimos por elas, por nos acompanharem, ou fazerem parte do nosso corpo. Mas sabia que teria de ser assim. Respirou fundo e depositou carinhosamente o envelope em meio ao lixo. Não teve coragem de rasgá-la. A carta já tomara corpo. Quantas vezes a acariciou com os dedos, levou-a aos lábios, no beijo suave, apertou-a contra o peito na saudade! Rasgá-la seria machucá-la. Ainda ficou mais alguns instantes fitando o envelope no lixo, antes de lhe dar, definitivamente, as costas e partir irresoluto daquele lugar.
          Eu o observava de longe.
         O que teria naquela carta? Seria uma antiga carta de amor? Por que então estaria se desfazendo dela? Quem sabe, naquele dia, o amor secreto até então, deixou de existir e a amada partiu com outro, deixando-o imerso na desilusão, abreviando para sempre a longa espera de tantos anos? Ou seria a carta um segredo que alguém lhe confiara, e, que, agora, por motivos que desconheço, não pertencia mais somente a ele e, por isso, não havia necessidade de mantê-lo? Quem sabe, seria um poema escrito por ele, dedicado a alguém há tantos anos e que lhe fora devolvido, frustrando a sua paixão? Quem sabe?
            O certo é que livrar-se da carta não foi tarefa fácil para aquele homem.
            Abandoná-la na lixeira significava deixar lá um pouco de si mesmo.
           Durante muitos anos, talvez a carta fora companheira e cúmplice de um mesmo segredo. Talvez fosse fonte de esperança em momentos nefastos. Quiçá, base de sustentação que o mantinha vivo...
         Agora, o fio que a ligava a ele se rompia. Acabou. Abandoná-la e seguir em frente. Essa era a solução. Porém, embora fosse um simples papel, quão vivas são as palavras! Personificam-se, tomam forma na folha, num cartão de aniversário, de pêsames... Traz-nos, de volta, pessoas, imagens, músicas, perfumes...
            Num livro, então, cada virar de folha é presença, presente, emoção!
            Foi-se o papel. Ficam, gravadas na memória e impressas no coração, as palavras!



domingo, 15 de setembro de 2013

Carta a um experiente escritor



Caro colega das letras – se é que mereço fazer jus a esse patamar, considerando que ainda não atingi o trono que você ocupa. Sei que você é muito ocupado para dar ouvidos e olhos a uma amante das letras que ainda não faz parte do seu círculo literário, o quê, aliás, não é nem um pouco interessante a você, haja vista a proliferação de escritores que, na sua ingênua opinião, é um risco à sua confortável posição.
Diferentemente de um jovem poeta que, no século passado, encontrou em um grande poeta a atenção e, porque não dizer, os ensinamentos de humildade e autocrítica tão gentilmente doados, sem medo algum de que o jovem roubasse-lhe a estrela, quero, apenas, solicitar-lhe o ínfimo do seu tempo, porque sei que, embora eu não faça parte dos chás das 5, posso muito auxiliá-lo para que você não perca o sono ao vislumbrar a possibilidade de ter de passar o cetro algum dia a um mancebo que não tem nem a metade das suas estradas nas letras.
Para iniciar, sei que a globalização, a alta tecnologia, a velocidade em que, atualmente, o novo se instaura em todas as áreas, assusta-nos consideravelmente, em especial àqueles que veem nisso uma grande ameaça, principalmente, ao seu posto já conquistado, e, assim, enclausuram-se, endurecem seus círculos de amizade e trancam as portas para tudo e todos que ousam invadir o seu espaço, ainda que não seja, em absoluto, essa a intenção dos outros.
É do conhecimento de todos que o mercado, propriamente dito, tem sido, cada vez mais, muito disputado, haja vista a gama de conhecimentos somados às inúmeras oportunidades que os jovens de hoje se lançam. Atualmente, ter um curso superior é pouco se o candidato a uma vaga não for bilíngue, ou não tiver, em seu currículo, uma experiência no exterior. Fatalmente, numa seleção, ele já se torna um ex-candidato para aquele recém intercambista de volta ao País, principalmente, se sua formação universitária se deu lá fora.
Em todas as artes, infelizmente, constatamos que também é assim. Escritores, músicos, artistas em geral que não têm no currículo um diferencial além do próprio talento também não conquistam um lugar de destaque nas editoras, produtoras, etc.
Sei que você dir-me-á que há vários caminhos. E há realmente. Os concursos literários são uma forma de o aspirante a escritor ou poeta fazer jus ao reconhecimento do talento. Porém, é fato também que um prêmio literário ou vários prêmios não abrem portas de editoras, não sabemos se pelo descrédito dado a esses concursos pelos editores ou se algumas linhas de um escritor já renomado seja o que, realmente, tenha peso nas vendas dos livros expostos nas estantes.
O fato é que, embora vivamos na mais alta tecnologia de todos os tempos, com trocas de mensagens imediatas, a comunicação entre o escritor e o leitor, ou pior, entre o escritor e um aspirante a escritor tem-se tornado cada vez mais rara, claro, com raríssimas exceções. Se antes, vários livros foram compilados sobre a troca de cartas, recados, contatos de escritores entre si, futuramente, esse tipo de livro está fadado à extinção, pois mesmo que a carta tenha se tornado obsoleta, os e mails não poderiam ser reunidos, simplesmente pelo fato de que as mensagens não são respondidas.
Certamente o escritor retrucará que, se fosse responder às centenas de mensagens que ele recebe, não teria tempo nem para trabalhar nem para dormir, o que procede realmente, principalmente, se levarmos em consideração aquelas pessoas desocupadas e sem respeito pelo outro. Em se tratando de artistas, muitos perdem sua liberdade até de circular como cidadão comum.
Infelizmente – por uma questão cultural, e, no ramo da literatura, o Brasil engatinha muito lentamente –, sei que os escritores não sofrem esse tipo de assédio, até porque, embora muito conhecidos de seus leitores e escritores iniciantes, passam despercebidos pela grande maioria da população, exatamente porque o número de leitores no Brasil é bastante inferior ao número de pessoas que circulam diariamente pelas ruas.
Uma prova cabal de que sei do que escrevo foi dada recentemente. No dia 16 de janeiro de 2012, faleceu, em Belo Horizonte, o escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós. Premiado com quatro prêmios Jabuti, autor de quarenta e sete livros, condecorado na França, presença constante em várias escolas, bibliotecas e faculdades, grande parte dos seus livros indicados pelas escolas, fiquei surpreendida ao ouvir de vários jornalistas, na redação de um jornal, ao receberem a comunicação sobre o falecimento do escritor, a seguinte frase: “Bartolomeu, escritor? Quem era? Nunca ouvi falar...” E olha que isso se deu dentro da redação de um jornal, imagine se fosse dentro de um supermercado...
Então, caro escritor, fica bastante evidente que quanto mais você se fecha em seu casulo, entabula conversas somente com os do seu meio restrito, mais distante você fica do seu leitor e dos possíveis leitores que conquistaria, porque, diferentemente de antigamente em que o que ficava em evidência era a obra do autor e a autoria muitas vezes nem era mencionada, hoje, urge que o autor apareça, já que centenas de obras são editadas diariamente, e os canais disponíveis para a divulgação não se reduzem apenas ao rádio, jornal e TV. A internet com suas redes sociais estão, a cada segundo, lotando as telas de informações, e uma obra, por melhor que seja, se não cair no “boca a boca” dificilmente alçará voos...
Não é difícil identificar o tipo de escritor que estou mencionando. Quando ele recebe uma mensagem elogiosa do seu livro, artigo ou crônica, geralmente, ele não deixa de agradecer ao leitor, afinal, esse leitor está endossando as vendas nas livrarias. Agora, quando esse mesmo leitor que o elogiou comete o despautério de lhe enviar um artigo seu de um assunto em pauta, não solicitando favor algum, apenas alguns minutos de leitura, o escritor desaparece da sua tela, dando mostras de que textos alheios não lhe interessam e não dispõe de tempo para lê-los.
De maneira alguma estou me referindo às pessoas sem escrúpulos, que não respeitam a privacidade de uma pessoa pública.
Enfim, prezado escritor, diferentemente do jovem poeta que buscou e achou a amizade e, sobretudo, a humildade de um grande poeta, eu, amante da literatura, dos livros e da escrita e, por isso, experiente na arte de ler, aconselho-o: não fuja do leitor, para que ele não antipatize com o autor, deixando de adquirir o livro por causa do escritor!


Com carinho,

Fátima Soares Rodrigues

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A honestidade como princípio


            Conta uma lenda que certo príncipe, já em idade madura, decidiu escolher aquela que tomaria por esposa. Para tanto, resolveu convidar todas as moças que habitavam as redondezas do palácio.
            Uma jovem e humilde camponesa manifestou a sua mãe a vontade de participar do grande evento. A mãe, ciente da sua condição, tentou convencer à filha da inutilidade da sua presença, uma vez que não dispunham de posses para que o príncipe a escolhesse. A filha, grande admiradora do rapaz, disse-lhe que apenas queria assistir ao evento, podendo assim, estar mais próxima do príncipe.
            Chega o grande dia e o príncipe, por intermédio dos seus súditos, distribuiu a cada jovem um pequeno vaso cheio de terra, e exclamou:
            – Será minha esposa aquela que regar e cuidar da semente que está aí plantada. Ao final de dois meses, a jovem que me trouxer a flor mais linda será minha eterna companheira!
            A humilde donzela partiu e passou, então, sagradamente, a cuidar do seu vaso. Todas as manhãs, regava-o e cantava-lhe suaves canções, pois acreditava que as plantas adoravam música.
            Para sua decepção, e embora com toda a sua dedicação, a terra do vaso manteve-se intacta. Nada brotava da sua umidade.
            Vencido o prazo estabelecido pelo príncipe, eis que todas as jovens retornaram ao palácio para apresentar o resultado obtido.
            Apesar de todo o esforço da jovem camponesa, nem sequer uma folha brotou do seu vasinho, mas mesmo assim a jovem insistia com a mãe a deixá-la ir até o palácio, para ao menos devolver o vaso que pertencia ao príncipe.
            Lá chegando, deparou-se com lindas flores nos vasos das concorrentes. Eram tão belas que achava difícil o príncipe fazer a escolha.
            Qual não foi sua surpresa quando o príncipe a chamou para perto de si e disse-lhe que era a escolhida.
            Em vista ao espanto de todos os presentes, o príncipe justificou:
            _ Você foi a escolhida pela grande honestidade demonstrada, pois todas as sementes plantadas nos vasos eram estéreis, logo, todas estas flores não foram originadas das sementes que plantei.
           
            Senhor presidente, senadores, ministros e políticos, nós, o povo, não queremos grandes obras para embelezar nossas cidades à custa de falcatruas e corrupção. Queremos, sim, um País sem misérias, sem fome, sem frio, com moradia e assistência médica dignas.
            Queremos, sobretudo, que governem tendo por princípio a honestidade, pois assim sendo, saberemos que, finalmente, a justiça e a prosperidade alardearão esta tão sofrida Nação; e que, ao final da gestão de V.Sas., nos seja devolvido um país decente de se viver!




quinta-feira, 18 de abril de 2013

A lição dos índios

                                      

                                                                               
      A tribo é dos Pataxós, oriunda do Estado da Bahia e aportada em Minas Gerais porque teve suas terras tomadas.
                 Fiéis às suas origens, deram-nos uma aula de civilidade, tão em falta nas grandes metrópoles ultimamente.
            Explicando-nos um pouco sobre seus hábitos, filosofias e crenças, deixaram-nos estupefatos quando nos contaram como se dá a relação do índio com a índia que culmina no casamento.
            Primeiramente, se o índio se interessa por uma determinada índia, joga-lhe uma pedrinha; essa é a mensagem do interesse. A índia, por sua vez, se estiver interessada no índio, devolve-lhe a pedrinha; esse é o código da confirmação do namoro.
            Caso a índia não se interesse em namorar o índio, não lhe devolve a pedrinha; o silencio diz tudo.
            E se o namoro se consumar em casamento, aí o índio dá um “banho de exemplo” no branco.
            Para um índio da tribo Pataxó se casar com a índia, ele é submetido a uma “penosa pena”. Primeiramente, a índia é colocada em uma oca especial. O índio deve carregar uma pedra de 50k até onde se encontra a índia. O caminho corresponde a aproximadamente 1 km. E aí perguntamos: e se o pobre coitado do índio for magrinho, doente e não conseguir? A resposta é imediata: ele sempre consegue, pois, desde a infância, é treinado para tal. Então, perguntamos: para que esse sacrifício?
            E o índio foi preciso: a índia, geralmente, trabalha em lavouras e se adoece ou passa mal, sem conseguir caminhar até o feiticeiro que lhe receitará o remédio para a cura, ou ainda mais grave, se o pajé não conseguir curá-la e ela tiver de se valer da medicina dos brancos – para tanto, buscar socorro mais longe – então o índio, seu marido, deve carregá-la até encontrar ajuda.
            E então veio a pergunta mais interessante: – O índio é fiel a sua esposa?
            E a resposta, de certa forma, justifica todo o “sacrifício” a que o índio se submete para ficar com a amada: – O índio, uma vez casado, só se separa da esposa quando a morte lhe ceifa a vida. Para o índio, os filhos são sagrados. Reconhecem, neles, uma bênção ao casal.
            Perguntamos se a FUNAI para eles é importante.
            Os índios são sinceros. E honestos.
            – A FUNAI é importante, embora o que recebamos seja tão irrisório que não compra nem os remédios direito que precisamos. O governo precisa olhar mais para nós e investir recursos na FUNAI para que sejam revertidos aos índios, porque ultimamente, para nós, os índios, a FUNAI tem sido a sigla de Funerária dos Índios.
            Os índios não gostam de que os brancos lhes imponham outros credos, nem que lhes mudem os costumes. Aliás, quem são os brancos para ensinar os índios a viver?
            Comparemos a estrutura familiar do índio e a do branco...
            E depois ainda há gente que tem coragem de dizer: “isso é coisa de índio...”, numa atitude pejorativa e preconceituosa.
            Do jeito que o nosso país anda, principalmente politicamente falando, não demorará muito e diremos: “isso só pode ser coisa de branco!”
            E palmas para os índios, que eles merecem!

sábado, 30 de março de 2013

Véspera de Páscoa



            Fui atender ao interfone quando me deparei com o jovem me oferecendo os panos de pratos para comprar.
            A bem da verdade, naquela semana, era a segunda pessoa que me oferecia panos de prato com o intuito de ajudar no orçamento.

            _ A senhora não quer comprar? Perguntou o rapaz.
            _ Quanto é? Perguntei.
            _ Dois reais cada.
            _ Você troca R$50,00?
            _ Não dona, porque ainda não conseguir vender nenhum... sabe como é... feriado de Páscoa, tá todo o mundo viajando...
            _ Então está difícil, porque eu até estou precisando trocar o dinheiro para pagar a moça que trabalha aqui. Mas acho que tenho R$5,00. Você pode fazer três panos por R$5,00? Perguntei-lhe.
            _ Se a senhora tiver, faço.
            Eu já estava entrando, quando ele me solicitou:
            _ A senhora pode me arrumar um copo d’água?
            Voltei-me de repente e analisei o rapaz: devia ter uns 18 anos no máximo. Alto, simpático e aparentemente humilde. Imaginei que não comera nada até àquela hora, já se aproximavam das 18 horas. Questionei-lhe:
            _ Você comeu alguma coisa?
            _ Não, dona. Eu saí cedo e como não vendi nada, não tive dinheiro para comer.
            _ Então, entre. Vou lhe arrumar um café.
            Pedi que se assentasse no sofá da sala enquanto lhe preparava um lanche.
            Achei que seria difícil para ele comer no sofá. Permiti que se assentasse à mesa.
            Enquanto saboreava, faminto, o lanche, me perguntou:
            _ A senhora não sabe de alguém que esteja precisando de rapaz para trabalhar? Faço qualquer coisa: serviço de jardinagem, faxina...
            _ No momento, não sei, mas vou perguntar às minhas vizinhas. De vez em quando alguma precisa.
            _ Quantos anos você tem? Perguntei-lhe.
            _ Dezenove.
            _ Você tem irmãos?
            _ Nós somos oito.
            _ Você mora com a sua família?
            _ Moro com a minha mulher e minha filhinha de seis meses. Não tenho pai nem mãe, e, dos meus irmãos, não sei o paradeiro.
            _ Por quê?
            _ Eu morava com meus pais até os meus 10 anos. Meu pai batia muito na gente e na minha mãe, por isso ela separou dele, ficando só com os filhos. Depois ela adoeceu: câncer na mama e como já estava avançado, distribuiu os filhos antes de morrer. Eu fui morar numa fazenda e, lá, fazia todo o tipo de serviço. Mas eu ainda era criança. Não sabia fazer direito, estava aprendendo... e por isso apanhava muito quando fazia errado. Decidi sair e vir morar aqui nesta cidade. Conheci esta senhora que faz os panos de prato. Ela tem uma filha, esta que moro com ela...
            _ A sua mulher trabalha?
            _ Tava trabalhando numa casa, sabe? A dona é até a proprietária do barraco que a gente mora. Mas aí depois de quinze dias de serviço, ela falou que pagaria a minha mulher só R$80,00 por mês. Sabe como é dona, a gente precisa, né? Minha mulher aceitou, não tinha jeito mesmo. Só que quando venceu o mês, a dona não pagou nada. Então eu pedi a ela que ficasse por conta do aluguel. Ela acabou concordando. Na verdade a gente precisava do dinheiro: comprar leite e comida para a criança, principalmente. Mas o teto também é muito importante e não íamos ter dinheiro para pagar o aluguel mesmo! Acabou que, pelo menos dele, ficamos livres naquele mês. Aliás, se a senhora souber de emprego para minha mulher também, eu agradeceria.
            _ Onde você mora?
            _ Na Saudade.
            _ Nossa! É bem longe daqui...
            _ Mas eu durmo no emprego, dona. Deixo para ir lá no final de semana.
            _ E a sua esposa?
            _ Ela também pode dormir.            _ Mas e o neném?
            _ A mãe dela cuida, dona. Nós precisamos trabalhar e, se for desse jeito, não tem problema. Tá muito difícil arrumar emprego. As pessoas desconfiam da nossa honestidade, e com razão: o mundo está muito violento. Até provarmos que somos honestos, precisamos ter chance e esta chance, ninguém dá. Não posso escolher, não. Faço do jeito que for melhor pra pessoa. Preciso é trabalhar para comer e dar de comer à minha filhinha.
            _ Está bem. Vou fazer uns contatos com as vizinhas e ver se alguém está precisando. Deixo o meu telefone com você e você me liga daqui dois dias, certo?
          _ Muito obrigado, dona. Jesus abençoe o seu lar. Obrigado pelo café. Fique com Deus e feliz Páscoa!
            _ Feliz Páscoa para você também, respondi.
            Paguei-lhe os panos de prato e o acompanhei até a porta.
            Fiquei imaginando como não se marginalizara até hoje; sem família, sem dinheiro, e concluí que ainda lhe restava a esperança, o renascimento... Era véspera de Páscoa!

terça-feira, 12 de março de 2013

Bibliotecário - Cientista da informação






Neste mundo globalizado,
Em que a informação
É rápida, fria e virtual,
Caótica, múltipla e pessoal,
Surge raro profissional,
Presente, consciente e real,
Que traz a informação precisa
No direcionamento da pesquisa.

Inflando sonhos infantis,
Despertando interesses juvenis,
Ele distribui e compartilha com afeto,
Conhecimentos, leituras, trilhas de projeto,
Tornando seu objetivo mais concreto.

Salve o profissional bibliotecário:
Cientista da informação,
Artista de formação!

sexta-feira, 8 de março de 2013

Sou mulher!

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjSsI9aZD6oEMPrlqiNkAnN9LJQ37dayjWl2qMaUU7cP3dw9NyIJOoo1V4p6mafcVBk6zUbzeNpD64OdvwK-ZcoOHbTmqyFfMRHwYRMb03yqhWXJeGc_kJhInbS_GC8oydeEY7TlG6W_y0/s1600/papel5.jpg



                                                                                












Porque sou mulher,
sou semente que brota
ao ser regada com amor.

Porque sou mulher,
sou seiva que alimenta
um tronco de criança.

Porque sou mulher,
sou raiz que sustenta
o corpo e dá abrigo.

Porque sou mulher,
sou água que sacia
a sede de justiça.

Porque sou mulher,
sou sombra que protege,
do perigo, a espécie.

Porque sou mulher,
sou ramos que apontam
a luz no infinito.

Porque sou mulher,
sou folha que verdeja
esperanças todo dia.

Porque sou mulher,
sou flor que ornamenta
e irradia alegria.

Porque sou mulher,
sou oxigênio, gás carbônico,
em perfeita harmonia.

Porque sou mulher,
sou árvore em cujo cerne
habita uma menina.

Porque sou mulher,
sou terra, sou vento,
sou fogo, sou gente!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Um dia de cão


                                       



             Eu sabia que aquele dia sombrio prometia. Tal qual o tempo se apresentava, o meu interior também não estava lá essas coisas. Nervoso, apático eu me encontrava. Porém, como sou um cara “para cima”, procurei driblar a chateação do dia, tentando manter a calma e o bom-humor, apesar de constatar que o telefone da minha casa só dava sinais de ocupado _ muito embora eu more sozinho -, e, para completar, uma dorzinha enjoada no dente, colaborava para atiçar o meu aborrecimento.
            Consegui enfrentar um dia de trabalho e, por volta das 20h, deixei a empresa rumo a minha casa. Antes, porém, precisava providenciar o essencial para sobreviver. Passei no supermercado, comprei o necessário e dirigi-me ansiosamente para o meu recanto, a fim de tomar um banho, para quem sabe assim, largar a “urucubaca” que teimava em me acompanhar, antes de fazer uma refeição completa, a única que faço, uma vez que passo o dia inteiro fora de casa.
            Desci do ônibus carregando sacolas e mais sacolas, além da carne que necessitava urgentemente de refrigeração, pois, seu sangue já escorria pelo embrulho.
            Ao levar a mão no bolso, dei pela falta da chave. Achei estranho e conferi o molho de chaves. Com ele, eu havia aberto os dois portões que dão acesso ao prédio. Porém, faltava a chave da porta do meu apartamento. Joguei os embrulhos no chão e numa busca frenética, ansiava em achar a chave. Nada. Conferi, novamente, o molho de chaves. A única que faltava era a própria. Respirei fundo e, num esforço energúmeno de memória, procurei passar o rascunho do meu dia a limpo, para me lembrar onde a havia deixado.
            Veio-me à memória, a cena da noite anterior. Preocupado com a possibilidade de perder a chave algum dia, havia retirado-a do chaveiro para providenciar uma cópia. É isso, devo tê-la deixado no serviço. De posse do meu celular, entrei em contato com a empresa que só fechava às 22h. A funcionária se propôs a procurá-la e me retornaria. Enquanto isso, eu não poderia ficar parado esperando. E se ela não achasse?
            Apossei-me dos embrulhos e dirigi-me à igreja que frequento. Lá, encontrei-me com o amigo Gabriel, que morara comigo no apartamento durante algum tempo. É isso, pensei. Ele deve ter a cópia da chave. Perguntei-lhe se ainda a tinha e ele despertou a minha esperança quando me respondeu que sim. Haveria de buscá-la em sua casa. Porém, assim que esse “anjo” Gabriel se dirigia para a saída da igreja, sou rapidamente chamado a um canto por outro amigo que me informa de uma festa surpresa que havia sido preparada para o Gabriel na sua casa. Conclusão: ele não poderia ir até lá àquela hora. Mais do que depressa, gritei para o Gabriel voltar, como se eu já houvesse resolvido o meu problema. Como todo anjo bem mandado, o Gabriel me obedeceu, aumentando a minha frustração.
Diante dessa impossibilidade, dirigi-me a um chaveiro mais próximo. No caminho, recebo a ligação da funcionária: a chave não estava na empresa.
            Ao chegar diante do chaveiro, o valor que me cobraria para abrir o meu apartamento soou como um tiro: R$ 40,00. Meti a mão no bolso e constatei o tamanho do rombo: eu só tinha R$ 20,00.
            Voltei ao apartamento com a carne sangrando pelas minhas pernas, enquanto a minha mente queria acompanhá-la.
            Nervoso, constatei, no escaninho da portaria, que a revista assinada por mim não estava lá e, lembrando-me de que todos os vizinhos aproveitam da minha ausência para lê-la, já bati a campainha do vizinho disposto a exigir a localização da minha revista naquele momento.
            Atendeu-me a D. Maria e, para o meu espanto, disse-me que seu filho foi entregar-me a revista e deu com a chave na porta, por volta das 17h daquele dia. Súbito, o desespero de mim se apoderou. A chave estava lá até às 17h e se não está mais, justifica-se o meu telefone ocupado durante todo o tempo. É isso, assaltaram o meu apartamento. Num átimo, D. Maria falou que o filho pegara a chave. O meu rosto iluminou-se! Até que enfim, o problema havia sido solucionado e eu entraria no meu recanto. Porém, D. Maria, na sua inteligência, não pensou duas vezes quando o filho lhe entregou a chave. Tratou, imediatamente, de jogá-la pela janela do meu apartamento.
 Eu não queria acreditar que, no mesmo instante em que a luz no fim do túnel me iluminava, um breu imenso a abafou. Estaca zero. Como eu faria para pegar a chave? Janela gradeada, tudo apagado... Seria impossível. Mas não sou de me dar por vencido, em situações que exigem a minha criatividade. Afinal, não era essa a minha profissão? Providenciei, com D. Maria, um cabo e um arame. Era tudo de que eu precisava.
            A primeira providência foi tentar acender a luz interna com o pau. Num esforço sobre-humano devido à posição em que me encontrava, depois de várias tentativas, eis que a luz iluminou o ambiente. Depois, pude verificar que a chave caíra no parapeito da janela. Ainda bem, eu haveria de pegá-la. Posicionei-me e, também, depois de quase quebrar as minhas costas, ei-la suspensa pelo arame que enfiei.
            Nisso, já se tinha passado mais de duas horas de suplício, desde que eu chegara do serviço. Com a chave na mão, sabia que o meu martírio havia terminado.
            Aliviado e ao mesmo tempo cansado e faminto, enfiei-a, imediatamente, no tambor e, para a minha surpresa, constatei que a chave não rodava. A porta estava aberta!