quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Influência da literatura no comportamento social



               A literatura, assim como todas as artes, tem como função primordial causar certo deleite, espanto, sensação de preenchimento daquilo que sentimos, mas não sabemos como expressá-lo, quer seja em palavras, pinturas, imagens, sons, etc. Porém, um poema, uma crônica, um conto, um romance transportam-nos ao desconhecido, à fantasia, àquilo que não conseguimos nomear, mas que nos dão um sentimento de completude, de transcendência...
            Os livros de literatura, para muitos leitores, são meios de transportes da mente, que lhes permitem, por meio da leitura, como tapetes voadores, penetrar em diversas épocas da história e em diversos mundos, modificando a sua forma de pensar e até influenciando sua maneira de agir, o que reflete no seu relacionamento social.
            Há quem diga que o livro seja capaz de transformar vidas. Inúmeros escritores relatam essa experiência. Muitos se tornaram escritores a partir da leitura de determinado livro. Quantos, em convalescença em uma cama de hospital, ao lerem um livro, passaram a redigir a própria história, ou tornaram-se personagens de seus futuros livros.
O escritor mineiro de Cataguases, Luiz Ruffato, descreve a sua descoberta da literatura, quando, na escola, em sua timidez, tinha por hábito andar encostando-se às paredes. Certo dia, caiu, literalmente, dentro da biblioteca. A bibliotecária não teve dúvidas: colocou-lhe um livro na mão. Em casa, ao abri-lo, as portas do universo se abriram para ele e Ruffato nunca mais  foi o mesmo.
            A leitura de um livro nos faz mergulhar tanto no conteúdo, que somos incapazes de ver e ouvir o que acontece ao redor. Prova disso está num trecho na contracapa do livro: “O Sr. Pip”, do neozelandês, Lhoyd Jones: É impossível fingir que está lendo um livro. Seus olhos irão traí-lo. Assim como sua respiração. Uma pessoa fascinada por um livro simplesmente se esquece de respirar. A casa pode pegar fogo, e o leitor mergulhado num livro só erguerá os olhos quando o papel de paredes estiver em chamas.”
A influência que um livro exerce no leitor é relatada neste livro pela personagem, Matilda, ao ouvir a leitura do livro: “Grandes Esperanças”, de Charles Dickens. A escritora norte-americana, Alice Walker, autora do livro “A Cor Púrpura” transformado em filme, afirma que Charles Dickens, por meio da sua literatura, denunciava o trabalho infantil, e, a partir de então, a sociedade se conscientizou de que a criança tem de brincar e não ser submetida a trabalhos forçados.    
            O escritor Luiz Fernando Veríssimo, apesar de sua escrita humorística, se diz muito tímido. Assim, a escrita foi a maneira que ele encontrou para se revelar, driblando a timidez.
Joaquim Maria Machado de Assis (21/06/1839-29/09/1908), mulato, de origem pobre, era gago. Talvez, por isso, sua obra seja de tamanha magnitude, pois, com receio em se expressar oralmente, devido à gagueira, Machado trouxe para o papel um manancial de riqueza literária, brindando-nos com a sua verve irônica e poética.
            Poder-se-ia dizer, então, que a literatura funciona como um emplasto para as nossas dores do corpo e da alma? Que o diga, Machado de Assis, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
            A escritora Nélida Piñon afirmou certa vez em conferência: depois que li “Crime e Castigo” de Dostoievski, nunca mais fui a mesma.
            Na Biblioteca Pública de Santiago, no Chile, criou-se o “Divã Literário”. Foi contratada uma médica pela instituição, que ao conversar com cada “paciente”, faz um diagnóstico e prescreve o livro mais adequado ao caso. “Ainda não se sabe quais os resultados médicos da ação, mas uma coisa é fato: o número de leitores e de obras emprestadas aumentou consideravelmente.” 
            Logo, é impossível não reconhecer que, de alguma forma, a literatura pode interferir consideravelmente nas relações humanas, modificando o social.

                                                           

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Noite de Inverno




“Se eu não achar cama, virei para a tua, disse o mendigo à morte.”
                             Cláudio Feldman


            Fecha a porta do banheiro e o basculante. Aquece o ambiente trancando o ar entre as quatro paredes e obedece ao ritual de todas as noites que, hoje, se faz muito fria. Despe-se, rapidamente, enquanto a água do chuveiro desce farta e quente inundando o ambiente com uma nebulosa de fumaça. Deixa o corpo sorver desta maravilha alguns segundos, antes de iniciar a higiene diária. Fecha os olhos para que o seu interior também absorva os benfazejos do banho, quando vê o mendigo seminu encolhido sob o jornal, na vã tentativa de dominar o frio que o invade. Tenta, desesperadamente, abrir os olhos para fugir da imagem que o atormenta. Qual o quê! A imagem insiste e persiste dentro da sua retina como se o acusasse do prazer, ora, desfrutado. Repentinamente, a água esfria, gela. Sente um arrepio de dor e horror percorrer-lhe o corpo. Ergue a mão e puxa a felpuda e macia toalha para agasalhar o corpo. Fecha a torneira imediatamente, ao mesmo tempo em que vislumbra, finalmente, duas gotas de lágrimas descendo pelo rosto do homem roto. Sofregamente, leva a toalha aos olhos tentando afastar a imagem que o alucina, mas ela não se desfaz. Impera. Um homem só, numa esquina qualquer, debaixo de uma marquise tenta se proteger do frio que invade seu frágil corpo. A imagem é constante, instigante, penetrante.
            Enxuga-se numa fração de segundos e vai, paulatinamente, colocando as peças sobre o corpo. Finalmente, o sobretudo. Dirige-se à janela e, do 12o andar, seus olhos se encontram aos do outro lá embaixo e sente a hierarquia da diferença. Ele no alto e o outro embaixo, em todos os sentidos.
            Fecha a cortina abruptamente.
            Dirige-se ao seu trono de repouso. Sob uma claridade leve e suave está a larga cama coberta por grosso cobertor à sua espera. Repousa o corpo e o aquece. Fecha os olhos e adormece. Sonha pesadelos. Sente frio. Acorda sobressaltado com o corpo à mostra. Puxa novamente o cobertor e se aquece. A imagem do mendigo revirando-se no chão tentando aplacar o frio, o incomoda. Desperta e volta à janela. A cena se desenrola sob os seus olhos. O homem está encolhido e inerte. Volta para a cama e adormece.
            Na manhã seguinte, acorda com o despertar de sirenes e buzinas. Após abastecer o estômago desce até a rua e chega no momento em que o corpo gélido é retirado da calçada. Sob o jornal nada macio, o homem tentava proteger o corpo, acreditando que driblava a morte.