Não sou de burlar regras, tampouco, dado a mudá-las. Como cidadão pacato,
trabalhador e cumpridor dos meus deveres para com a sociedade e a nação, vou
traçando o meu destino, conforme Deus, a política e a vida me permitem. Pai de
dois filhos: dois e seis anos, me aportei nesta cidade há cerca de dois meses.
Paulista de nascimento, carioca por muito tempo, estou aos poucos me tornando
mineiro por comedimento, embora ainda não consiga assimilar por que “mineiro
trabalha quieto”. Prova disso são os incontáveis protestos que ando fazendo e
nada de ver os resultados.
Como habitante desta metrópole, frequentemente, me torno passageiro dos
ônibus e levo a bordo duas crianças e uma sacola com os seus pertences. Creio
ser desnecessário explicar a dependência de um adulto para acompanhá-las num
coletivo, haja vista que, em horário de pico, somos como formigas em torrão de
açúcar: literalmente empurrados e pendurados. Como ditam as regras e o bom
costume, entro pela porta da frente trazendo ao colo o caçula, e na outra mão
equilibro o maiorzinho e a sacola. O ônibus se mantém estagnado apenas quando
alcanço os seus degraus. Já no seu interior, o motorista dá a partida. E é aí
que começa a minha aventura de escalada, pois para alcançar a porta de saída é
a um verdadeiro alpinismo que me lanço, uma vez que sou obrigado a equilibrar o
corpo sustentando a criança no colo e amparando a outra, enquanto os solavancos
do ônibus e a compressão das pessoas ensaiam me levar ao solo. Nunca fui
equilibrista circense, se bem que sempre o admirava estático nos circos, mas
com a experiência e a proteção de Deus tenho conseguido manter a pose evitando
acidentes. Há que levar em conta que não sou nenhum garotinho e, realmente,
levantamento de peso em prancha de surf não é o meu esporte favorito e, foi por
isso que, numa tarde de “rush”, com as duas crianças no colo (o maior
indisposto, adormecia) concluí que deveria descer pela porta da frente após
pagar a passagem, Qual não foi a minha surpresa quando o motorista determinou
que eu só poderia descer pela porta de trás. Questionei-lhe o motivo. Ele foi
enfático:
_ Normas, são normas. Não leu o painel?
Ah! Se já tinha lido! E muitas vezes. Tentei lhe explicar que se tratava
de uma exceção. Com duas crianças no colo e mais a sacola, seria humanamente
impossível atravessar a roleta. Mas o homem mantinha-se irredutível:
_ A norma é essa: “somente poderá descer pela porta de entrada as
gestantes, os obesos e os idosos”.
E eu não me enquadrava em nenhuma dessas. Tentei controlar o peso e os
nervos e arrematei:
_ Tudo bem. Não me enquadro, embora
ache que nem precisava. Está na sua frente a minha necessidade. Agora, já que é
necessária uma “prerrogativa”, digamos que eu possa ser considerado obeso, afinal
tenho além do meu peso, 29 kg ,
argumentei.
_ Ah! Não é a mesma coisa, disse ele.
_
Realmente, não é, emendei. É bem pior, pois o obeso consegue se equilibrar
melhor do que eu.
O homem não cedeu e tive de me lançar à aventura de atravessar o
“corredor da sorte”. E isso se sucede todos os dias e fico me perguntando quais
os critérios para se definir um obeso, uma gestante e um idoso. Tem idoso que
não se permite ser idoso, pois é mais ágil que um mocinho, é atleta e não vê
dificuldades em atravessar a roleta. Em contrapartida, tem mulher que se
descobre grávida um dia após o atraso menstrual e já quer fazer uso do direito,
seja nos ônibus, nas filas de bancos... E tem aquela senhora que nem chegou à
casa dos 50, mas a sua debilidade física é tamanha que mal se sustenta em pé. Finalmente , o
que é um obeso? É aquele que apresenta 100 gramas acima do peso
estimado?
Fico pensando cá com os meus botões: seria a donzela grávida de um mês
impedida de atravessar a roleta? E a senhora de 50, seria barrada? E o idoso?
Conduzido à porta da frente? E como fica o “obeso” que só tem 1 quilo a mais do
peso considerado normal? E se esse pessoal fosse parente do motorista, do
cobrador ou pessoa “ilustre”? Na certa, prevaleceria a máxima: “Irmão de
barqueiro não paga passagem”.
Coisas de mineiro?
De brasileiro!
Um dos textos mais fracos que ja li seu. Você tem capacidade e intelecto para mais!
ResponderExcluirObrigada, Anônimo. Não se pode agradar sempre, não é? Mas seria interessante você se identificar, já que gastou alguns minutos do seu tempo para comentar. Receba o meu abraço.
ExcluirAnônimo, considerando que esse texto foi escrito há doze anos, época em que eu estava começando a tornar público o que eu escrevia, e que, mesmo tendo obtido um prêmio em crônica no Rio Grande do Sul, num concurso em nível nacional, sou humilde o suficiente para aceitar críticas, a fim de aprimorar o meu texto. Assim, percebendo que você é um leitor dos meus textos, já que pontua a minha capacidade e intelecto, peço o favor de deixar aqui registradas(pode ser no anonimato mesmo) as suas impressões,para que eu possa ter conhecimento. Desde já, agradeço a você. Abraço
ExcluirAchei sensacional. Quem vive a realidade do transporte público sabe bem que é assim. Mocinhas bonitinhas têm também a preferência de motoristas, que estão cada vez mais mal-educados, principalmente com os idosos.
ResponderExcluirQuanto ao comentário de cima, é uma pena que o tal Anônimo não tem coragem de colocar o nome. Se acha fraco deveria pontuar quais os motivos, ou seja, fazer, no mínimo, uma crítica construtiva. Mas é sempre mais interessante se esconder. Falta mais coragem das pessoas.
Obrigada, querida filha, por tomar a minha defesa.
ExcluirTalvez se você tivesse escrito que o texto já foi premiado ele teria pensado antes de comentar. Enfim, melhor assim, Fátima! De escritor metido (que arrota troféus) o mundo tá cheio!
ResponderExcluirÉ bem assim, mesmo. Essa segunda tive vontade de chorar depois que dois ônibus, seguidos, não pararam para mim.
ResponderExcluirEu gostei muito do texto e não achei fraco... há várias metáforas, ("somos como formigas em torrão de açúcar", "minha aventura de escalada", "levantamento de peso em prancha de surf não é o meu esporte favorito", etc), além de passar uma mensagem verdadeira de forma leve e instrutiva.
Sei que mamãe nem se incomodou com a crítica, na sua maturidade literária, mas somente pontuo aqui que a crítica também foi fraca e cheira mais a provocação. Da próxima vez, cite trechos do texto, como eu fiz, e seja mais direto. Ou então receberá críticas da sua crítica.
Muito interessante isso, querida filha.
ExcluirFátima querida, parabéns por mais outra linda crônica.
ResponderExcluirNão sou crítica literária, mas uma coisa eu sou: leitora! Portanto, no direito que me cabe como amante da leitura, limito a dizer-lhe que sua crônica me tirou um sorriso dos lábios e temperou os minutos gastos em sua leitura. Ouso afirmar, também, que apenas textos que despertam sentimentos e nos fazem viajar para a cena valem a pena...Para mim, o seu valeu! Assim, novamente, parabéns!
Fico feliz com isso, querida Vívian.
ExcluirMuito bom o texto. Só gostaria de saber o porquê de ser fraco... uma crítica vazia soa mais como inveja, fica a dica.
ResponderExcluirObrigada, meu filho!
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